PENSAR FORA DA CAIXA
Um colega e amigo pergunta-me porque fui a Paris ver e ouvir os coletes amarelos e se não houve nisso uma certa soberba, um desafiar da sorte, um tirar apontamentos para aplicá-los mais tarde numa experiência que surja mais perto de mim.
Depois de pensar um bocado – muito rápido, por sinal – disse-lhe que esta aparente curiosidade se resumia numa resposta breve: fui lá porque eles estavam lá.
Quando Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia analítica propôs e desenvolveu os conceitos de personalidade extrovertida e introvertida, arquétipo e inconsciente coletivo, não o fez para traduzir grupos sociais mas indivíduos. Pegando nesta matriz, no entanto, transpondo-a para os universos culturais em que nos representamos e fazemos representar, notamos que há dois tipos de personalidade de grupo: a extrovertida e a introvertida.
Os coletes amarelos pertencem à segunda. Como os pequenos grupos de arruaceiros que queimam caixotes de lixo e automóveis pela calada da noite, ou os que danificam bens públicos a coberto das sombras.
Essa introversão nota-se bem no modo como se mobilizam – normalmente pelas redes sociais que permitem a convergência de muitos num único local de encontro num lapso de tempo muito breve e que transformam a notícia falsa num divertimento ocasional e mobilizador -, na forma como se apresentam – normalmente encapuzados, de rosto encoberto, num anonimato desejado – e sobretudo na mais frugal das ideologias que os suportam: não brandem muitas ideias, não apresentam alternativas ao sufocante e impiedoso mundo em que vivemos, tomam por alvos os que mais frágeis possam surgir à sua frente e sucumbir depressa, e deitam mão dos recursos mais à vista, das pedras aos sprays, dos palavrões ao confronto físico.
Ir lá por estarem lá, não foi mais do que uma forma de extroversão.
Aliás, havendo causas, ideias, alternativas, estava já a ver-me de colete, eu que nem gosto de amarelo (e, já o escrevi, afinal são verdes, apesar do daltonismo noticioso que os promoveu).
Estas manifestações de rebeldia urbana são o oposto das revoluções que mudam a vida das urbes. São produto de introvertidos, a desafiarem o poder sem perceberem bem como o poderiam fazer com uma mobilização efetiva das capacidades de extroversão que os povos têm, motivadas pelo sentido de justiça e equidade, pela defesa das liberdades e dos seus diretos, pela reivindicação dura dos deveres daqueles que nos representam.
Fui lá porque estavam lá, e precisava disso na minha mundividência, na minha necessidade de entender o outro, no meu modo de celebrar os valores culturais dos extrovertidos que me deram lições de vida que não esquecerei.
Alexandre Honrado
Historiador